segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

PUC-SP: história de lutas democráticas



Para se ter uma real dimensão do momento em que se encontra a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo ( PUC-SP), uma retrospectiva a respeito da história da instituição se faz necessária. Durante o Regime Militar no Brasil, estudantes e professores da PUC-SP constituíram uma importante resistência, organizando e participando de diversas manifestações contra a ditadura. O grão-chanceler da época, Dom Paulo Evaristo Arns, admitiu professores de outras Universidades demitidos em consequência do governo vigente como Florestan Fernandes e Paulo Freire. Além disso, em meio ao regime e apesar da existência da lista tríplice, instituiu a eleição direta como forma de se escolher o reitor, fazendo da PUC a primeira universidade brasileira a eleger o reitor via voto direto de professores, alunos e funcionários. Foi por meio dessa eleição que Nadir Kfouri, foi escolhida a primeira mulher a ser reitora de uma universidade católica no mundo. Durante uma reunião da UNE na PUC, em setembro de 1977, a polícia militar, comandada pelo coronel Erasmo Dias, invadiu o campus. A professora Nadir, então reitora, defendeu seu corpo discente e docente perante as arbitrariedades do coronel. Em 1984, dois incêndios(um supostamente criminoso) danificaram o teatro da Universidade (TUCA), que até hojé tem parte de suas paredes com os resquícios do incêndio como garantia de que os danos ocasionados por um regime opressor nunca sejam esquecidos.
Conhecedora dessa memória puquiana, Marilena Chaui,  Professora titular de Filosofia Política e História da Filosofia Moderna da USP, afirmou, durante aula pública no período de greve, que “ A PUC tem uma historia de trabalho acadêmico e compromisso politico que faz parte do nosso patrimônio. Portanto, todos nós que comparecemos aqui, não importa de qual instituição sejamos, viemos porque nos sentimos parte da história, da memória da puc. D. Paulo Evaristo Arns abriu as portas para o movimento estudantil, mandando um recado para os donos do poder que eles não eram os donos do poder”.
Entretanto, desconsiderando a memória da instituição, no dia 13 de novembro de 2012, o grão-chanceler da PUC e cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer,nomeou a professora Anna Cintra, ultima colocada da lista triplice, como reitora,  desrespeitando pela primeira vez, após a aplicação das eleições diretas por Arns, a decisão da comunidade acadêmica.Em nome da história da PUC de defesa da democracia e contra o retrocesso que representa a decisão de Scherer, estudantes, professores e funcionários entraram em greve geral.
Para a igreja católica, a monarquia sempre foi o mais natural dos regimes políticos pois ela segue a lógica da família paternalista. Ela é uma colecão de famílias que forma uma sociedade que tem um pai, no caso o monarca. Entretanto, para Baruch de Espinosa, a democracia é o melhor dos regimes politicos, o poder absoluto porque tem como forma de realização o sujeito político que é a multidão e esse sujeito não transfere poder, ele é o detentor do poder. O poder é absoluto porque se mantém nas mãos do sujeito político que instituiu a sociedade democrática. A democracia é natural porque todos os seres humanos desejam governar e não serem governados.

O caso da PUC pode ser relacionado com diversos filósofos, entre ele, Hobbes. A perda da liberdade do homem para um soberano que não pode ter seus métodos julgados na manutenção da vida do indivíduo e do Estado fica evidente na decisão do cardeal ao desrespeitar a escolha da comunidade acadêmica. Entretanto, Rousseau afirma que o povo tem total direito de reivindicar já que a vontade geral deve ser maior que a vontade individual, logo a da comunidade universitária é maior do que a do Cardeal. Temendo a usurpação do poder por uma minoria, assim como a teme a comunidade puquiana agora, Rousseau defende a democracia como modelo ideal de sistema político, vendo este sistema como a melhor forma de a vontade geral dominar as vontades particulares. Por meio das assembléias realizadas durante a greve foi possível se presenciar a participação constante de conjunto de pessoas onde a vontade geral  atingida pelo consenso foi respeitada. Ainda segundo Rousseau, quando o governante não acata a vontade coletiva para fazer prevalecer a sua vontade individual, configura-se a corrupção, como pode ser classificado o caso da PUC.Para deixar a condição de servidão é preciso parar de servir e foi isso que o movimento grevista como um todo fez ao não acatar passivamente as decisões da Fundação São Paulo, lembrando-os de que o povo é o verdadeiro soberano. 





Pode-se relacionar o que acontece na PUC também com Montesquieu. Ao citar os três poderes(legistlativo, executivo e judiciário), permite a conclusão de que quando esses poderes se concentram sobre apenas uma entidade configura-se um governo despótico. Assim, ao desrespeitar a decisão do Consun, que invalidou a homologação da lista tríplice, e ao ignorar os votos das urnas, o Cardeal agiu como um tirano. O argumento de que a lista tríplice configura-se como um respeito a democracia é invalido pois existiam somente três candidatos o que evidencia a falta de necessidade de se ocorrem eleições caso o primeiro colocado não tivesse que ser o nomeado ao cargo de reitor. Portanto, apesar de estar dentro da legalidade(em partes, pois após a decisão do Consun a situação se alterou), a escolha do Cardeal não é legítima. Isso ocorre pois apesar da força, do amparo da lei (estatuto), o que configura a legalidade, a decisão do grão-chanceler não é legítima pois não é apoiada pela base moral advinda da cultura e dos costumes locais, no caso o da PUC. Logo,  coube à comunidade acadêmica exercer o papel de um dos três poderes de vigiar o outro poder, no caso do Cardeal, já que os melhores governos são os bem moderados.
Maquiavel pode também ser usado no caso puquiano. A Fundação São Paulo ao nomear Anna Cintra e também durante o período de greve não buscou em nenhum momento as alianças com o povo( alunos) para que estes não se virem contra ele defendida pelo autor de “O Príncipe”. Tampouco procurou fugir do ódio já que a todo momento menosprezou o movimento grevista. E por fim, não mantiveram a virtude, já que, além da decisão da Fundação, a professora Anna Cintra não cumpriu com sua palavra ao contrariar um documento assinado por ela declarando que não aceitaria o cargo de reitora caso não fosse a primeira colocada.
Por fim, pode se utilizar Foucault na avaliação da crise institucional instalada pelas ações da Fundação São Paulo. Michel Foucault, acredita em uma relação de controle a partir de instituições que disciplinam o individuo durante sua formação. Segundo ele, cada instituição tem a capacidade de ir moldando o indivíduo, tornando-o obediente, como a escola, a religião e etc. Assim, a Igreja parece querer amplificar a sua capacidade de moldar o indivíduo, tornando o mais obediente aos ideias católicos utilizando para isso não só o poder de suas igrejas, como também de suas outras instituições como as universidades que possui ao redor do mundo. Para isso, tem se evidenciado a tentativa da Igreja em retomar o controle de suas Universidades para que a intenção inicial de formação de uma elite católica possa ser reconstruída, por meio desse mecanismo de controle.
Assim, por concordar com as ideias de Vladimir Safatle, filósofo e professor universitário brasileiro(também convidado pelo movimento grevista para ministrar uma aula), de que “a ideia de universidade é vinculada à constituição de um espaço crítico de livre pensar”, de que a universidade “é a expressão social do desejo de que o conhecimento se desenvolvesse em um ambiente livre de dogmas, sem a tutela de autoridades externas, sejam elas vindas do Estado, da Igreja ou do mercado” e por interpretar que a decisão do Cardeal pode esconder interesses obscuros da Igreja para o futuro da Universidade limitando o essencial para uma Universidade de respeito e com tradições democráticas como a PUC, a comunidade puquiana se uniu para barrar a tentativa de golpe que a Fundação São Paulo vem tentando aplicar. Mais do que lutar pela tradição da PUC, se trata de respeitar o sangue e o suor derramado por professores, estudantes e funcionarios quando a PUC, segundo Marilena Chaui foi o “guarda-chuva que abrigou o Brasil durante as mais terríveis tempestades.


A Mídia e a preparação da sociedade

 A mídia, não raramente, é classificada como o quarto poder. Entretanto, essa denominação não é apenas aplicada pela capacidade da mídia de atuar como uma vigilante dos desejos da sociedade frente aos outros três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). A mídia é chamada dessa maneira também devido a sua capacidade de manipular os indivíduos, de “por as mãos”. Apesar de o receptor das informações transmitidas pelos meios de comunicação, o público, não ser um disco vazio que absorve todo o conteúdo transmitido sem contestar, já que ele tem uma realidade cultural e social ocasionada pelo ambiente que o cerca que serve como uma suposta barreira e que faz com que ele não aceite tudo que lhe é passado como verdade, as empresas midiáticas apresentam alta capacidade em influenciar o modo de pensar e agir do público, manipulando-o, ou seja, “pondo as mãos em algo”.
        John Thompson em seu livro, “A mídia e a modernidade” estuda a teoria social, criada para analisar o impacto social dos meios de comunicação e o seu papel na criação de uma sociedade moderna. Em primeira instância o autor cria o conceito das formas de interação, sendo elas a face a face (sendo a forma tradicional), a mediada (ou seja, as pessoas conseguem se comunicar por um meio de comunicação, por exemplo, o telefone) e a “quase” mediada (o ser humano recebe as informações dos meios massivos como livro, rádio, televisão, jornal. É como se os meios tivessem apenas uma direção e desprovidos de reciprocidade)



John B. Thompson

        De acordo com Thompson, a sociedade é dividida em quatro poderes. O poder político, o poder econômico, o poder coercitivo, e o simbólico. O político está relacionado ao Estado, ao governo. O econômico é a propriedade privada. O coercitivo é a força (legislativo, militar e etc). O simbólico é o poder da mídia, são os meios de comunicação.
        Para o autor, o simbólico é o mais importante dos poderes pois é por meio da existência dele que os outros acontecem, sem ele os outros não podem existir. Outros não podem existir sem o simbólico pois é por meio dos símbolos que o homem atribui sentido as coisas, inclusive, o que significa ser homem. Isso ocorre pois cada indivíduo interpreta os símbolos de determinada forma(hermenêutica), lhes dá um sentido final. É por isso que Thompson afirma que existe uma manipulação de informações e não de pessoas. O que é manipulado é a informação já que o modo como as informações são transmitidas ocorrem de acordo com o público que se deseja atingir. Um exemplo disso é o modo como a mesma noticia é transmitida nos diferentes jornais da Globo. Se no Jornal Nacional a linguagem é mais simples pois o público alvo do horário pertence à classes mais baixas, no Jornal da Globo a linguagem é mais rebuscada por se entender que naquele horário o público alvo pertence ao empresariado. Um outro exemplo disso é o fato de o público só procurar ler, assistir, o que vai de encontro com os seus pensamentos, os seus ideais. Por exemplo, alguém que têm tendências de esquerda só lê revistas como “Caros Amigo” e “Carta Capital”, mas não lê de maneira nenhuma revistas que sejam defensoras de ideologias de direita.



Pierre Bordieu
    
Já para Bordieu, o poder midiático é produto da soma do campo político com o campo econômico. Para ele, os comunicadores são manipuladores por essência, pois a maneira como os meios de comunicação são construídos os induzem a manipular sem que eles percebam o que estão fazendo. Isso ocorre pois existe uma estrutura invisível. No caso da televisão essa estrutura é a audiência. Na busca por altos índices de audiência, ou seja, de um grande público, um alto número de telespectadores, os comunicadores passam a transmitir somente aquilo que agrada ao público dos programas. Consequentemente, uma maior rentabilidade para as empresas de comunicação se torna possível, já que uma audiência maior significa um maior número de patrocinadores para o programa, além de um aumento nas cifras pagas pelos patrocinadores. Por isso que o autor afirma que o poder mídiatico é a soma do poder político com o poder econômico.


Giovanni Sartori

     Para Giovanni Sartori, os homens sofre manipulação da mídia em consequência de sua natureza. Os homens necessitam imaginar o que lhes é transmitido antes de refletirem sobre o que lhes está sendo passado. Isso acontece pois primeiro o homem visualiza a situação, depois pensa a respeito do que acabou de visualizar e somente por último busca construir um entendimento de todo o processo. Isso ocorria facilmente antes pois o homem estava habituado com as palavras, já que necessitava ter um domínio desse campo, o que facilitava a ocorrência da visualização, do pensamento e do entendimento na configuração de um processo como um todo. Entretanto, a imagem da mídia, da televisão, não permite que o processo do pensamento ocorra, fazendo com que o ser humano deixe de pensar. O “Homo Sapiens” se tornou um “Homo Videns”, ou seja, o homem deixou de pensar e passou apenas a ver. Isso pode ser percebido por meio da constante justificativa de telespectadores a respeito do baixo conteúdo dos programas a que assistem. Ao serem questionadas sobre o baixo nível intelectual dos programas, as pessoas justificam que estão apenas relaxando, que não estão pensando em nada e que portanto, não há mal algum no fato do programa ser pouco reflexivo, pouco produtivo.
     Assim, para não ser manipulado o homem precisa voltar a ser “Homo sapiens” e deixar de ser “Homo Videns” pois somente pensando é que ele poderá oferecer resistência as manipulações midiáticas.