segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O homem nu precisa de novas roupas



          

            No mundo contemporâneo, o poder é representado por diversas áreas como o Estado, o capital, a mídia, as ciências e etc. Esse poder encontra-se no interior das pessoas, tão intrínseco a elas que se tornou impossível identificar quais características pessoais são próprias do indivíduo que as manifesta e quais são moldadas pelo poder presente. 
            Assim, como o poder foi incorporado ao interior das pessoas, ele influencia a maneira de pensar, de agir dos indivíduos. Esse poder não é algo repressivo, mas um poder que busca intensificar a vida, otimiza-la, ele é um poder produtivo.
Nesse biopoder, o poder apresenta-se mergulhado na subjetividade dos indivíduos, apresenta-se bastante profundo de modo a controlar os desejos das pessoas, o sexo, a comunicação, a fé e etc.
            Essa subjetividade, que não nos permite identificar as esferas do poder presentes no interior de cada um, dificulta que as pessoas resistam a essas influências. Com isso, o modo de pensar, a imaginação, a criatividade das pessoas fica comprometida. Isso ocorre, pois, na sociedade atual, o “produto” valorizado é a criatividade, a invenção. Em consequência disso, o poder molda essa criatividade para se beneficiar futuramente. Assim, o ser humano é transformado em um morto-vivo uma vez que ele se mantém em uma zona entre a vida e a morte. De acordo com Agamben, o biopoder contemporâneo, reduz a vida à sobrevida biológica, produz sobreviventes.
           Esse fato pode ser comparado ao conceito de Homo sacer. Na Roma Antiga, a pena de morte para delitos graves era insuficiente. Em consequência disso, o Estado declarava o criminoso um Homo sacer. Isso significava que qualquer pessoa estava autorizada a mata-lo e que ele não teria o direito de ser enterrado. Portanto, o individuo tornava-se “matável”(corpo biológico) e “insacrificável”(corpo espiritual).
       Na sociedade do controle, como o individuo é relacionado a função de produção e consumo, aqueles que não produzem, consomem, são matáveis. Entretanto, o Estado não produz a morte, ele apenas deixa que ela ocorra pois não vale a pena produzir a vida dessas pessoas. No contexto biopolítico, não cabe ao poder fazer morrer, mas fazer viver, otimizar a vida. Agamben vai ainda mais longe ao dizer que ao biopoder contemporâneo não pratica nem o fazer viver, nem o fazer morrer, mas o fazer sobreviver. Ele diz que o biopoder cria sobrevivente, produz sobrevida.
        Ainda segundo ele, a ambição do biopoder é a de separar o zoé e o bios do corpo humano, ou seja, as formas de viver, a vida politica (Bios) do animal (Zoé), produzir a sobrevida.  “A sobrevida é a vida humana reduzida a seu mínimo biológico, à sua nudez última, à vida sem forma, ao mero fato da vida, à vida nua. Mas engana-se quem vê vida nua apenas na figura extrema do "muçulmano", sem perceber o mais assustador: que de certa maneira somos todos "muçulmanos". Esse efeito de muçulmanos em todos, da transformação dos indivíduos em sobreviventes, é uma consequência do biopoder contemporâneo. Na sociedade de controle, a servidão voluntária sustentada pela racionalidade permite que no capitalismo a vitória seja do Animal Laborans (Zoé). Portanto, ocorre uma despolitização dos homens. Hannah Arendt acredita que a Bios está sumindo, restando somente a Zoé. Assim, como foram despolitizados, os homens concentram sua vida animal na sociedade de consumo, no hedonismo.
           Essa sociedade de consumo é caracterizada pelo seu elevado grau de tecnologia, pela produção altíssima e pelo consumo exacerbado. O produzir e consumir é uma das maiores preocupações dessa sociedade que utiliza a mídia para por meio da veiculação de propagandas incentivar, aumentar o consumo. 
          Essa valorização do consumo ocorre pela propagação do conceito de prazer atrelado ao consumo, a posse de bens, principalmente os materiais. Há sempre um produto capaz de facilitar a sua vida de modo a proporcionar maior conforto, maior prazer. Assim, uma pessoa é valorada de acordo com as suas posses, quanto mais ela consome, maior valor ela tem.
      Na sociedade do hedonismo de massas, a cultura é dominada por uma indústria transformadora da cultura em um mero produto. Assim, a industrial cultural propaga sobretudo a diversão, a distração sem estabelecer uma reflexão, uma critica necessariamente. Logo, sem estabelecer um pensamento crítico o indivíduo aceita mais facilmente o que lhe é oferecido, imposto.
           Portanto, a biopolitica do totalitarismo moderno propaga o hedonismo já que a indústria cultural atrelada ao desaparecimento da reflexão política, do Bios, leva os indivíduos a serem moldados por conceitos frágeis, consumistas. Entretanto, essa desigualdade é conveniente para a manutenção dessas sociedades. Como em sociedades muito desiguais o Estado nunca atingirá todos, essa desigualdade material proporciona uma desigualdade na capacidade de pensar. Assim, mantendo-se a desigualdade, atingi-se a capacidade de ganhos do capitalismo. Em consequência disso, todo o tempo livre passa a ser dedicado ao hedonismo, a sociedade do prazer, a manutenção do corpo, a indústria cultural.
     Para alterar esse contexto, basta que os indivíduos rompam o hábito de servir voluntariamente. Entretanto, para isso, precisam saber que estão servindo, o que somente ocorrerá por meio de uma nova educação que os alerte sobre isso.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sorria! Você está sendo filmado!


A sociedade disciplinar era uma sociedade baseada em um poder hierárquico, centrado nas instituições, como a Família, a Escola, a Igreja, a Indústria, por meio das quais destacava-se a figura de um “superior”: o pai, o professor, o padre etc.
        Essa imposição da sociedade de disciplina na massa popular era evidente, as instituições como a coroa e a igreja, por exemplo, mantinham o controle através da força, da censura, da repressão, etc, e formaram um grupo social que aceitava ser submetido à essa opressão. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, da tecnologia, e principalmente dos modelos socio-econômicos e do capitalismo, a sociedade disciplinar se transformou em uma sociedade de controle, onde era necessário a manutenção dessa massa oprimida, visto que a mesma já começava a conquistar um certo nível de influência na sociedade, além de começar a obter uma cultura de acesso muito mais fácil, conforme a sociedade ia se modernizando.

Por sua vez, a sociedade de controle apresenta linhas aparentemente mais tênues, porém, extremamente eficazes. Ao invés do controle exercido por meio das instituições, das figuras disciplinares, os limites para o indivíduo são estabelecidos por toda sociedade uma vez que todos vêem e são vistos. Nessa sociedade de controle os micropoderes das instituições apresentam-se agora sob a tutela do Estado de maneira conjunta. Sendo assim, essa nova forma de controle se mascara em uma série de regras e conceitos éticos e morais que o levam a  determinado comportamento, sem mostrar abertamente sua imposição sobre a massa.
Uma estratégia de dominação presente na sociedade de controle é a difusão do desinteresse pela política. Um dos objetivos dessa sociedade é fazer com que a população não se interesse pela política, não participe da política. Assim, a burocracia, os lentos trâmites característicos do funcionalismo público contribuem para a disseminação desse desinteresse da população.
Soma-se a isso, a estratégia de dominação que exerce uma das mais importantes funções na sociedade de controle, a biopolítica. Essa política é voltada para a vida, sobre a valorização dos benfeitores (produtores, consumidores) e a repreensão dos malfeitores (os que não contribuem para o capitalismo), como foi tematizado por Foucault. Sendo assim, uma política de valorização da saúde pública, do bem-estar social, que valoriza o ser humano, sendo na verdade um bem-estar de fachada, que não mostra o controle que a população é submetida, feliz com o que lhes é dado. Para o trangressor, a morte é conduzida através de exílios, encarceramento, privação dos meios de sobrevivência, entre outros meios de causar não a morte física, mais a morte social de quem vai contra as regras. Essa política se mostra eficaz pois vai de encontro ao pensamento da população.
Além disso, um outro fator importante para que a sociedade de controle surgisse foi a racionalidade. Essa racionalidade permite que os indivíduos concluam estarem sendo representados por meio da democracia participativa que, no fundo, nada mais é do que uma forma de controle. Entretanto, nessa sociedade de controle a individualização da massa, dá lugar a uma massa heterogênea, a população. Essa população diversificada, como foi dito, sente-se representada pela democracia. Assim, os conflitos entre as diferentes classes são resolvidos por meio das leis criadas pelo Estado com o consentimento dos diversos grupos que acreditam, de forma errônea, terem sido ouvidos.
Segundo Deleuze, a sociedade de controle surgiu após a Segunda Guerra Mundial, substituindo a sociedade de controle. Essa nova sociedade é consequência direta das mudanças ocorridas no mundo capitalista. Destaca-se entre essas mudanças, as inovações tecnológicas que são a maior evidência do controle do poder nas sociedades atuais.
Se antes os indivíduos eram vigiados pelas instituições, hoje, o grande número de câmeras espelhados pelos ambientes sociais, os aparelhos celulares, os números de identificação, a internet, etc, servem para vigiar e controlar cada indivíduo de maneira eficaz.
Assim, diferentemente da sociedade disciplinar, em que o controle ocorria em espaços fechados, nas instituições, nessa sociedade, o controle ocorre em todos os momentos, em todos os campos sociais, em todos os espaços da vida pública.
Portanto, não há mais um espaço físico restrito para o poder, ele está presente em todos os lugares. Em consequência disso, ele se demonstra mais eficaz e perigoso pois como atua de maneira disfarçada, sustentado pelas novas tecnologias, é mais controlador.
Logo, a Internet, pode ser considerada um dos maiores símbolos desse controle pois ela concentra diversos tipos de informações a respeito dos indivíduos em seus bancos de dados. Bancos, construídos com o consentimento das pessoas que voluntariamente fornecem suas informações a esses dados de vigilância por meio das redes sociais, sites, blogs etc.
"Sociedade de controle", por Fernando Mourão
Assim, o controle com a ajuda da tecnologia, passa quase que desapercebido, torna-se natural. E presente no cotidiano dos indivíduos, leva-os a  interiorizar esses conceitos e a atuar de maneira concomitante ao Estado como controladores da sociedade.
Também para Deleuze, o homem que vivia confinado na sociedade disciplinar passou a ser um homem endividado na sociedade de controle. Para ele, apesar de ocorrer de maneira diferente, o homem continua sofrendo as mesmas “repressões” de antes. Os sistemas de venda a crédito, os empréstimos, os pagamentos antecipados, os impostos, etc, são formas de endividamento do indivíduo. Por meio dessa dívida, torna-se possível controlar o indivíduo de maneira branda pois, assumindo o compromisso de quitá-las no futuro , ele torna-se parte do mercado, das Instituições a quem deve.
Concluindo, na sociedade de controle os mecanismos de dominação ocorrem de forma sutil, pois uma vez internalizados em cada indivíduo na sociedade como um todo, passam despercebidos pela população. Assim, deixam de existir os muros que separam o público do privado, as instituições dos indivíduos. Em consequência disso, a vigilância ocorre o tempo todo, em todos os lugares, sem a necessidade de uma figura autoritária para isso.